Brigas recentes por supostos plágios abalaram o mercado pop. Teve disputa do tipo explosiva (por “Blurred Lines”, de Pharrell e Robin Thicke), do tipo enrolada (por “Stairway to heaven”, do Led Zeppelin), do tipo indecisa (por “Dark horse”, de Katy Perry) e até do tipo amigável (por “Good 4 U”, de Olivia Rodrigo).

Mas nenhuma delas fez o Brasil tão feliz quanto a disputa inusitada sobre o suposto plágio de “Mulheres”, sucesso de Martinho da Vila, composto por Toninho Geraes, em “Million years ago”, de Adele, escrita por ela e o produtor Greg Kurstin.

Vamos mostrar aqui as batalhas mais importantes por acusações de plágios recentes. O que essas disputas apontam sobre as chances de Toninho contra Adele? Ouça especialistas e entenda os prós e contras:

O que caracteriza um plágio?

Essas brigas são antigas, mas as leis que garantem os direitos do autor no Brasil e lá fora não traçam os limites do plágio. A diferença entre a cópia e a mera coincidência não está escrita.

A definição vem de obras jurídicas e de casos já julgados. Para dificultar, poucos casos chegam a cortes altas. Como ações de plágio são caras e demoradas, muitos músicos evitam o tribunal ou acabam fazendo acordos extrajudiciais.

Nem tudo que parece é plágio. Essa é a primeira lição do advogado especializado em direitos autorais Daniel Campello. Ele organiza suas análises em quatro fatores que precisam existir ao mesmo tempo:

  • Semelhança – O elemento copiado precisa ser uma criação musical original, única. Não basta a coincidência de trechos corriqueiros, simples, que podem aparecer em qualquer canção.
  • Anterioridade – A obra que se alega ser plagiada precisa ser, comprovadamente, anterior à que é alvo da acusação, é claro.
  • Prova de acesso – O acusador deve demonstrar que o suposto plagiador teve contato com sua música. Não basta só mostrar que a faixa estava disponível no YouTube, por exemplo.
  • Ma fé – Deve ficar claro que o plagiador é um impostor e agiu para ter uma vantagem: se apropriar de um sucesso alheio ou de algo original que ele não conseguiria criar.

Conversamos com Daniel e outros dois advogados especialistas em direitos autorais, Marcel Gladulich e Priscilla Crespo. Com a música pop cheia de samples, referências e inspirações, como estes casos estão sendo decididos?

  1. Os herdeiros de Marvin Gaye alegaram plágio de “Got to give it up” em “Blurred lines”, de Pharrell, Robin Thicke e T.I.
  2. A banda Spirit alegou plágio de “Taurus” em “Stairway to heaven”, do Led Zeppelin
  3. O rapper cristão Flame alegou plágio de “Joyful noise” em “Dark horse”, de Katy Perry
  4. Olivia Rodrigo reconheceu que “Good 4 U” usava trechos de “Misery business”, do Paramore
  5. Neste cenário, qual a chance de Toninho? Eles mostram visões opostas sobre uma eventual ação e falam de um possível acordo, ao qual Toninho se mostra aberto – mas não Adele.

1 – O terremoto de ‘Blurred lines’

Pharrell, Robin Thicke e a modelo Emily Ratajkowski no clipe de 'Blurred lines' — Foto: Divulgação

Pharrell, Robin Thicke e a modelo Emily Ratajkowski no clipe de ‘Blurred lines’ — Foto: Divulgação

O hit “Blurred lines” seria só um refrão de gosto duvidoso lá de 2013 se não fosse uma decisão judicial bombástica dois anos depois. A família de Marvin Gaye ganhou uma ação de plágio de US$ 7,4 milhões contra seus autores, Pharrell Williams e Robin Thicke.

Os herdeiros alegavam que a música era plágio de “Got to give it up”, lançada em 1977. A defesa negava e dizia que esse precedente iria tolher a criatividade de músicos que tentam reconstruiur a sonoridade de outras épocas ou de outros artistas. Mas a derrota foi confirmada em 2018.

“A indústria criativa da música, principalmente dos EUA, ficou muito abalada, por se considerar que, pela primeira vez, um tribunal concedeu direito autoral a um estilo musical, a um tema”, diz Marcel Gladulich. 

O advogado explica que a decisão polêmica teve um gol contra do autor de “Blurred lines” – quase uma prova de acesso voluntária. “Pharrell reconheceu que ele queria estar na cabeça do Mavin Gaye tentando entender como ele comporia a música”, o que favoreceu o adversário.

Priscilla Crespo diz que outros músicos ficaram “em pânico” e que “Blurred lines” virou um “fantasma”: “Todo mundo ficou com medo de ser processado. Mas hoje eles estão mais aliviados com a decisão do Led Zeppelin e da Katy Perry.”

2 – O alívio do Led – com ajuda do Tom

John Paul Jones, Robert Plant e Jimmy Page durante lançamento do filme 'Celebration day', em Londres — Foto: Miles Willis/Invision/AP

John Paul Jones, Robert Plant e Jimmy Page durante lançamento do filme ‘Celebration day’, em Londres — Foto: Miles Willis/Invision/AP

O dedilhado que assombra festas com rodas de violão pelo mundo virou briga séria. O Led Zeppelin foi acusado de plágio em “Stairway to heaven”, de 1971. Os acusadores eram da desconhecida banda Spirit, que fizeram a instrumental “Taurus” em 1967. Mas o processo só foi aberto em 2016.

A ação se arrastou por cinco anos por questões técnicas. O Led Zeppelin ganhou com base no ponto que o advogado Daniel Campello explicou ali em cima: não basta haver uma semelhança, mas ela deve de um trecho original, de uma criação única. 

A argumentação teve até ajuda brasileira. “Eles levaram um professor de música que tocou diversas canções no piano para provar que a progressão dos acordes dessa música é usada há mais de 300 anos. E que, inclusive, teria sido usada até por Tom Jobim em ‘Insensatez'”, conta Priscilla.

3 – Katy Perry: foi por pouco

Katy Perry no vídeo de 'Dark horse' — Foto: Divulgação

Katy Perry no vídeo de ‘Dark horse’ — Foto: Divulgação

Foi a maior reviravolta na carreira de Katy Perry desde que ela se vestiu de hambúrguer para fazer as pazes com Taylor Swift. Em 2019, um juri popular nos EUA a condenou por plágio em “Dark horse”. Em 2020, ela conseguiu uma rara reversão de decisão de juri e ganhou a apelação.

Se perdesse, Katy teria que pagar US$ 2,8 milhões de indenização ao rapper cristão Flame, que alegava plágio da música “Joyful noise”. Mas, assim como no caso do Led Zeppelin, a juíza considerou que a semelhança era de trechos comuns, não originais. Ouça e compare as músicas no podcast acima.

A decisão ocorreu poucos dias depois da vitória do Led Zeppelin. Christine Lepera, advogada de Katy Perry disse: “A maldição de ‘Blurred lines’ – e seu efeito assustador – foi suspensa”. Mas o fato de que Katy se livrou por pouco mostra que o terreno não é tão firme. Sem contar o caso abaixo em 2021…

4 – Olivia Rodrigo deu uma de Rod Stewart

Olivia Rodrigo — Foto: Divulgação

Olivia Rodrigo — Foto: Divulgação

Em agosto de 2021, a vocalista Hayley Williams e o ex-guitarrista Josh Farro, do Paramore, entraram na lista de coautores do hit “Good 4 U”, de Olivia Rodrigo. Ela considerou que a música interpola trechos de “Misery business”. Ouça e compare as músicas no podcast acima.

Em vez de processo, houve acordo. O caso foi parecido com o de Rod Stewart, que admitiu em 1979 que “Do ya think I’m sexy” usava um trecho de “Taj Mahal”, do Jorge Ben Jor. Ele assumiu o plágio e deu o crédito, assim como Olivia.

Não se sabe se ela perderia uma ação. Mas o desgaste de um processo para a imagem e as finanças pode motivar esse tipo de acordo, mesmo posterior ao lançamento, explica Priscila. Indenização e créditos fututros são acordados. Mas o melhor seria sempre pedir autorização antes do uso.

5 – Qual é a chance de Toninho?

O compositor Toninho Geraes vai processar Adele por suposto plágio da música 'Mulheres' em 'Million years ago' — Foto: Reprodução/Facebook Toninho Geraes; Matt Sayles/Invision/AP

O compositor Toninho Geraes vai processar Adele por suposto plágio da música ‘Mulheres’ em ‘Million years ago’ — Foto: Reprodução/Facebook Toninho Geraes; Matt Sayles/Invision/AP

Há pessimismo, otimismo e ponderação nos comentários dos três advogados.

Toninho ainda não entrou com uma ação, mas já contratou relatórios para apontar a semelhança e ameaça levar a cantora aos tribunais. Para tentar um acordo, ele enviou notificações extrajudiciais há mais de quatro meses, sem resposta.

Entre os quatro notificados, a única a se pronunciar foi a gravadora Sony do Brasil, que afirmou que o assunto está nas mãos da XL Recordings e da própria cantora. Além das gravadoras, Adele e Greg Kurstin foram notificados. Veja as três análises:

Priscila Crespo avalia que Toninho “tem grandes chances” de ser reconhecido. “Eu me dei ao trabalho de ouvir uma música em cima da outra e acompanhar o que os peritos que ele contratou colocaram em superposição. E, de fato, não tem o que falar. Ele tem grandes chances, eu acho”, ela diz.

Ela avalia como fator positivo para o sambista o fato de o coautor Greg Kurstin ter relação próxima com a música brasileira, demonstrada publicamente.

Priscilla ressalta a falta de resposta das notificações. “O silêncio é uma forma de pressão”, ela analisa. É como se Adele estivesse duvidando que Toninho entraria com uma ação tão difícil no exterior. Qual seria, então, o melhor final para as duas partes? “Era mais bonito fazer um acordo”, ela diz.

Daniel Campello tem uma visão oposta. “Antes da resposta, queria deixar bem claro que admiro o Toninho enormemente e acho ele um dos principais compositores da música brasileira. No entanto, infelizmente, nesse caso, não há caracterização de plágio, a meu ver.”

Ele reforça a regra de que o suposto plagiador deve ser um impostor que copiou algo totalmente original para obter uma vantagem com isso. Além disso, Daniel considera que não há uma prova de acesso direta só pelo fato de Greg Kurstin gostar de música brasileira.

“O contributo de originalidade dessa música, a meu ver, é muito mais o relato do que a melodia. O que provavelmente aconteceu foi que os compositores da Adele tiveam a mesma ideia, que é muito interessante, muito boa, mas não é uma ideia que se possa apropriar no mundo inteiro.”

“Pode acontecer uma coincidência”, Daniel opina. “O Toninho merece todo o reconhecimento do mundo. Tenho ele na conta de um dos maiores gênios da música brasileira. Mas daí a dizer que, por isso, uma outra música parecida com a dele foi criada de má fé, é um caminho distante.”

Marcel Gladulich poderia ter desempatado o jogo, mas equilibrou fatores positivos e negativos para a alegação de Toninho Geraes.

Os laudos já contratados pelo brasileiro podem ajudar, mesmo que tenham que ser refeitos de forma independente em um eventual julgamento. “E a gente sabe que o Greg Kurstin é um profundo conhecedor de música brasileira”, ele diz. “São elementos que tendem para a existência do plágio”.

Por outro lado, Marcel aponta que Adele já foi acusada de plagiar a música “Acilara Tutunmak”, do compositor turco Ahmet Kaya, em “Million years ago”. O caso não chegou à justiça, mas a semelhança foi bastante noticiada na Turquia e na Inglaterra em 2015. Ouça a música no podcast acima.

A música turca foi lançada em 1985, dez anos antes de “Mulheres”. “É uma melodia original? Será que ele (Toninho) não bebeu na mesma fonte que o Ahmed? Ou essa é uma forma expressiva musical comum?”, questiona Marcel.

“Ainda existe outro complicador que é a prescrição, se um processo desse acontecer no Brasil.” A música de Adele saiu em 2015 e o prazo aqui para entrar com uma ação deste tipo é de três anos, ele explica. O jeito seria mesmo procurar os tribunais dos EUA ou da Inglaterra. Uma ação do tipo cara…

*G1

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