“Dominguinhos já foi”, gracejou Elba Ramalho quando um espectador pediu à artista para cantar Frisson (Tunai e Sérgio Natureza, 1984), canção de amor que fez sucesso com o cantor Tunai nos anos 1980 e que desde 2000 tem sido revivida pela intérprete paraibana.

O gracejo teve sentido porque, a rigor, o show Canções de Dominguinhos – estreado pela cantora na cidade do Rio de Janeiro (RJ) na noite de ontem, 28 de setembro de 2018, após passar por Curitiba (PR) e Brasília (DF) – era centrado no cancioneiro do compositor e sanfoneiro pernambucano José Domingos de Morais (12 de fevereiro de 1941 – 23 de julho de 2013), parceiro de Nando Cordel na criação de um dos maiores sucessos de Elba, De volta pro aconchego (1985), evidentemente incluído no roteiro.

Só que, após cantar uma sequência de seis músicas de Seu Domingos, entre elas o xote Olhando o coração (Dominguinhos e Climério, 2014) e Rio de sonho (Dominguinhos, 2005), a própria cantora começou a diluir o conceito e o roteiro do show, promovendo o que Elba caracterizou no palco do Teatro Nelson Rodrigues como “entradas e saídas” do repertório refinado deste compositor que herdou as tradições forrozeiras de Luiz Gonzaga (1912 – 1989), mas foi além, fazendo canções com harmonias refinadas em gêneros que extrapolaram as fronteiras rítmicas do Nordeste.

Foram tantas as saídas que, a partir de determinado momento, Dominguinhos já tinha mesmo ido, como brincou Elba após improvisar canções em ótima forma vocal. Em vez de se manter fiel ao conceito original do show, Elba optou por dar voz aos pedidos do público e, às vezes, literalmente dar voz a esse público que a saudou com fervor, apontando o microfone para a plateia fazer coro com a artista em sucessos populares de compositores como Zé Ramalho (Chão de giz, de 1978).

Elba Ramalho canta Belchior, Geraldo Azevedo e Zé Ramalho no show 'Canções de Dominguinhos' — Foto: Mauro Ferreira / G1

Elba Ramalho canta Belchior, Geraldo Azevedo e Zé Ramalho no show ‘Canções de Dominguinhos’ — Foto: Mauro Ferreira / G1

Quando efetivamente cantou Dominguinhos, trouxe canções suaves para o ritmo do xote – como Gostoso demais (Dominguinhos e Nando Cordel, 1986), música lançada em apropriado tempo de delicadeza na voz de Maria Bethânia – e evidenciou o virtuosismo da banda capitaneada pelo violonista e guitarrista Marcos Arcanjo.

Ao pilotar o acordeom em músicas como Sanfona sentida(Dominguinhos e Anastácia, 1973), Rafael Meninão mostrou que soube ouvir o chamado da sanfona do próprio Dominguinhos. Já o baterista Tostão Queiroga injetou modernidade na marcação da cadência do xote Eu só quero um xodó (Dominguinhos e Anastácia, 1973), sucesso na voz de Gilberto Gil, intérprete original deste grande sucesso de Seu Domingos.

No fim, após cantar músicas de Belchior (1947 – 2017) e Geraldo Azevedo, Elba caiu no forró, deixa para a lembrança de Isso aqui tá bom demais (Dominguinhos e Nando Cordel, 1985), tema animado que Dominguinhos lançou há 33 anos em gravação feita com Chico Buarque e que a cantora reviveu com a intimidade de quem foi amiga de Dominguinhos e é profunda conhecedora da obra do compositor, a ponto de ter dividido disco com o artista em 2005.

Para o público a que Elba deu voz no show, pondo em segundo plano o conceito do show, tudo esteve bom demais. (Cotação: * * *)

*G1

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