Não há grandes reflexão de Erasmo Carlos sobre Erasmo Carlos. Ele é um artista aberto a todo assunto, cheio de carisma e incapaz de fugir de perguntas mesmo desconfortáveis, mas pedir que saia de si, sobrevoe o universo e volte com um pensamento profundo sobre a época e sua contextualização pode não ser o melhor caminho.

Erasmo, aos 76 anos, nem precisaria mais falar – postura que sua gentileza impede que assuma diante dos jornalistas. Ele fala agora sobre seu novo disco, “Amor é Isso”, 31º de uma carreira de 61 anos se considerarmos que estar ao lado de Tim Maia e Roberto Carlos com os Sputniks, em 1957, foi a origem.

Sua sinceridade pode deixá-lo longe da opulência dos famosos e muito próximo de qualquer interlocutor. Em vinte minutos de conversa, Erasmo coloca abaixo a expectativa por duas ou três reações politicamente corretas para dizer o que pensa. Em um bem redigido texto de apresentação do disco enviado para a imprensa, o autor anônimo diz que o novo álbum “retoma a trilha explorada no clássico LP Carlos, Erasmo, lançado pelo cantor em 1971 e que se tornaria referência fundamental aos artistas da geração da música brasileira do século 21.”

É isso que acha mesmo, Erasmo? “Olha, sinceramente não acho nada disso não. Lá havia calipso (na música Maria Joana, uma homenagem velada à maconha), Caetano Veloso (De Noite na Cama), Jorge Ben Jor (Agora Ninguém Chora Mais). Esse não tem essa mistura. Apenas minha poesia e as canções.”

Esse “Amor é Isso” é o primeiro álbum que faz depois da morte de seu filho, Alexandre, vítima de um acidente de moto em 2014. A fatalidade e a informação de que as letras das músicas saíram de poesias que Erasmo escreveu pela primeira vez em um livro que ainda não foi lançado levam a crer que ele estava em um momento de profunda tristeza, iluminado poeticamente pela perda e pela angústia.

É isso, Erasmo? “Pode ser que haja algo entre os fatos”, ele diz, educadamente, para voltar a ser fiel a si mesmo no arremate: “Mas eu te diria em um primeiro momento que não, não tem nada a ver. A gente vai simplesmente mudando com tudo o que vivemos e a vida segue.” A poesia de Erasmo escrita pela primeira vez em um caderno tirou, ele diz, as amarras das letras de música, dos tempos certos das rimas, da previsibilidade. “Eu senti como é ficar livre das letras de canção.”

“Amor é Isso”, o disco, é um álbum essencialmente de baladas, algumas vezes até folk. O produtor Marcus Preto, a ponte mais acessada por artistas interessados em trabalhar com gerações mais novas, e o baterista Pupilo, na condição de produtor musical, assinam os trabalhos de bastidores e aproximam Erasmo de uma, para ele, nova jovem guarda. Nas doze músicas do álbum, aparecem parcerias com Emicida, Marcelo Camelo e Teago Oliveira, guitarrista e vocalista da banda Maglore. Da ‘velha guarda’, traz parcerias com Marisa Monte, Nando Reis, Adriana Calcanhotto, Dadi Carvalho, Samuel Rosa e, emblematicamente, Tim Maia. Essa história precisa ser contada.

A Rua do Matoso, na suburbana Tijuca, tinha os espíritos de porco, como Erasmo e Tim Maia entregador de marmitas, e tinha Marlene. Tim se apaixonou pela garota da turma e gravou para ela mais tarde, doente de saudade enquanto vivia uma experiência adolescente nos Estados Unidos, a música “New Love” (que lançaria oficialmente apenas em 1973). “As pessoas só não sabem que esta canção já estava pronta desde 1962, mais ou menos, quando ele cantava com o grupo The Ideals”, diz Erasmo.

A versão de agora chama-se “Novo Love”, a primeira “parceria” dos velhos tijucanos Tim e Erasmo. As canções vão informando que a trilogia rock and roll abraçada com os álbuns Rock ‘n’ Roll (2009), Sexo (2011) e Gigante Gentil (2014) foi devidamente encerrada. O discurso agora é da calmaria. “É um disco mais baladeiro, queria menos agito, estava com saudades das canções.”

Com Marisa Monte e o baixista tribalista Dadi, o disco abre com “Convite para Nascer de Novo”, uma canção gravada antes de alguns maus súbitos assustarem Erasmo. “Eu comecei a desmaiar sem saber porquê. Foram alguns episódios até longos. Acontecia quase que diariamente”, ele conta. Os médicos então descobriam que Erasmo estava com uma hipersensibilidade na artéria carótida, algo que o fazia perder os sentidos. “Eu não podia usar uma gravata apertada que corria o risco de desmaiar com a pressão que ela fazia no pescoço.” Os médicos decidiram por implantar um marca-passo para controlar seus batimentos cardíacos. “Agora, eu ligo a guitarra direto no marca-passo para contar o tempo da música”, ele brinca.

Depois de Marcelo Camelo aparecer com Sol da Barra, Emicida assume uma parceria de postura contundente com “Termos e Condições”, uma crítica aos distanciamentos tecnológicos. Outra canção dos dois feita a quatro mãos, “Abre Alas do Verão”, estará no próximo disco de Gal Costa. As colaborações seguem em músicas daquelas que se pode tocar todas com o violão na sala de casa. Nando Reis (Minha Âncora) é um hit em potencial, Samuel Rosa (Novo Sentido) entrega a quase destoante de tão feliz; Adriana Calcanhotto (Seu Sim). Arnaldo Antunes (Parece que Foi Hoje) e Teago Oliveira (Não Existe Saudade no Cosmos) vão fechando um álbum muito bem costurado por tons de saudade e solidão.

Ator

Além do novo disco, o cantor também está com projetos para o cinema. Erasmo vai aparecer como o personagem José no filme “Paraíso Perdido”, de Monique Gardemberg. Será o dono de uma boate rodeado pelos filhos Angelo (Julio Andrade) e Eva (Hermila Guedes), o adotivo Teylor (Seu Jorge) e os netos Celeste (Julia Konrad) e Imã (Jaloo). A família é unida por um amor verdadeiro e passa a lidar com seus dramas cantando músicas românticas o tempo todo. Erasmo falou aos produtores: “Foi fácil fazer, fiquei à vontade, é um universo totalmente brega, que eu amo, que é familiar para mim.” A produção tem estreia marcada para 31 de maio.

http://www.correiodopovo.com.br/ArteAgenda/Variedades/M%C3%BAsica/2018/5/650798/Erasmo-Carlos-deixa-o-rock-and-roll-e-investe-em-baladas-folk

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