Dois fatores dissipam o ar de novidade que poderia envolver o álbum O Tom da Takai (Deck), lançado neste mês de junho de 2018 por Fernanda Takai. O primeiro é que a cantora – em foto de Weber Pádua – já abordou há 11 anos, com frescor, músicas lançadas nas décadas de 1950 e 1960 no disco solo Onde brilhem os olhos seus (2007), o primeiro gravado pela artista nos intervalos da atuação como vocalista e compositora do grupo mineiro Pato Fu. Uma dessas músicas, Estrada do sol (Antonio Carlos Jobim e Dolores Duran, 1958), é inclusive recorrente nos dois álbuns, embora o leque estilístico do disco de 2007 seja mais amplo.

O segundo fator que amortece a novidade de O Tom da Takai é que, há 12 anos, a cantora carioca Fátima Guedes lançou álbum, Outros tons(2006), em que jogou luz sobre a produção autoral menos ouvida do cancioneiro soberano do compositor carioca Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994), sobretudo a lançada na década de 1950. Esse conceito também norteia o disco de Takai, embora felizmente haja somente uma coincidência nos repertórios dos dois álbuns, Olha pro céu (Antonio Carlos Jobim, 1960).

Capa do álbum 'O Tom da Takai', da cantora Fernanda Takai (Foto: Arte: Hardy Design)

Capa do álbum ‘O Tom da Takai’, da cantora Fernanda Takai (Foto: Arte: Hardy Design)

Mesmo que não soe exatamente original ao cantar Jobim em O Tom da Takai, a cantora sustenta a leveza do cancioneiro de compositor que sempre foi pautado por melodia e harmonia modernas, cheias de graça e bossa, mesmo quando o parceiro letrista fazia drama ao falar de (des)amor. Além do acerto do canto da solista, o disco é valorizado pela grande interação entre Marcos Valle e Roberto Menescal, idealizador do projeto.

Dois papas da bossa nova, Menescal e Valle dividem a produção e os arranjos das 13 faixas em que Takai dá voz a 14 músicas de Jobim (há um único medley no disco). Mas não trabalharam de forma isolada. Ao contrário. Um toca na maioria das faixas arranjadas pelo outro. Essa interação – inexistente no recém-lançado álbum que reuniu (somente na capa) Marcos Valle com Dori Caymmi e Edu Lobo – dá bossa toda própria ao Tom da Takai.

Roberto Menescal, Fernanda Takai e Marcos Valle (Foto: Divulgação / Quinho Mibach)

Roberto Menescal, Fernanda Takai e Marcos Valle (Foto: Divulgação / Quinho Mibach)

Faixa realmente bela que merece a primazia de abrir o álbum, Bonita(Antonio Carlos Jobim, Gene Lees e Ray Gilbert, 1964) exemplifica de forma primorosa o diálogo musical travado entre os dois músicos e compositores no disco de Takai. Bonita é inicialmente conduzida pelo violão de Menescal, arranjador da faixa. Até que, passado um minuto, o arranjo ganha pulso com a entrada de outros instrumentos, evidenciando toda a bossa do piano solo de Marcos Valle.

No medley que conecta o samba Aula de matemática (Antonio Carlos Jobim e Marino Pinto, 1958) com Discussão (Antonio Carlos Jobim e Newton Mendonça, 1958) através do arranjo de Menescal, Valle solta a voz, encenando com Taki o embate afetivo da letra.

Fernanda Takai (Foto: Divulgação / Weber Pádua)

Fernanda Takai (Foto: Divulgação / Weber Pádua)

Com canto de pequeno volume, talhado para esse repertório que dispensa arroubos vocais, Takai cai com fluência no samba Outra vez(Antonio Carlos Jobim, 1954) – levada pelo arranjo de Valle, sempre preciso ao piano – e expressa a sofrência moderna que pauta o raro samba-canção Só saudade (Antonio Carlos Jobim e Newton Mendonça, 1956).

Em contrapartida, a batida quase marcial do samba Eu preciso de você(Antonio Carlos Jobim e Aloysio de Oliveira, 1959) dilui o sentimento de solidão explicitado na letra. Já Esquecendo você (Antonio Carlos Jobim e Aloysio de Oliveira, 1959) carece da dose exata de melancolia no canto da solista. Não se trata de carregar na interpretação, pois cabe reiterar que as melodias do cancioneiro de Jobim sempre caminharam na direção oposta do drama que dava o tom dos sambas-canção dos anos 1940 e 1950, mas de expressar com mais nitidez o sentimento de tristeza entranhado no tema.

Talvez por isso mesmo o álbum alcance os melhores momentos nas abordagens de músicas que soam leves e soltas, como atesta o harmonioso dueto vocal de Menescal e Takai no samba-choro Ai quem me dera, composto por Jobim em 1957 em parceria com o compositor fluminense Marino Pinto (1916 – 1965), mas gravado somente em 1981. Ou o dueto de Takai com Valle em Fotografia (Antonio Carlos Jobim, 1958), feito em adequado clima romântico, sem qualquer traço de sentimentalismo.

Fernanda Takai (Foto: Divulgação / Weber Pádua)

Fernanda Takai (Foto: Divulgação / Weber Pádua)

Com edições previstas nos formatos de CD, LP e cassete, o disco soa quase sempre sedutor porque tanto Roberto Menescal quanto Marcos Valle dominam o idioma musical do cancioneiro de Jobim. Esse domínio é nítido no suingue tirado por Valle do órgão tocado em Brigas nunca mais(Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1959), para citar somente um exemplo.

Por mais que uma ou outra música não esteja à altura da obra magistral de Jobim, caso sobretudo do Samba torto (Antonio Carlos Jobim e Aloysio de Oliveira, 1960), o álbum cumpre bem a função de mostrar para novas gerações que Antonio Carlos Jobim foi moderno desde sempre ao fazer músicas vocacionadas para cantoras também modernas como a carioca Sylvia Telles (1935 – 1966) – intérprete original de várias das 14 músicas do disco – e como a amapaense Fernanda Takai, hábil ao sustentar a leveza de Jobim com a bossa atemporal d’O Tom da Takai(Cotação: * * * *)

https://g1.globo.com/pop-arte/musica/blog/mauro-ferreira/post/2018/06/04/fernanda-takai-sustenta-leveza-de-tom-jobim-em-album-valorizado-pela-interacao-entre-marcos-valle-e-roberto-menescal.ghtml

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