Quando Jarbas Homem de Mello surge no palco para iniciar o show “Alucinação”, em sua cidade natal, na noite de sexta-feira, dia 12, a emoção já toma conta do cantor, ator e apresentador. E da plateia, que ocupa menos da metade dos mais de 1.800 lugares do Teatro Feevale de Novo Hamburgo. Amigos e familiares estimularam com aplausos e gritos a performance em cena que nasceu para homenagear ao cantautor Belchior. Neste domingo, “Alucinação, um Concerto Bárbaro” ocupará o palco do Teatro Univates, em Lajeado/RS, às 20h.

Com direção geral de Eduardo Holmes, e com a Banda Radar no palco, o espetáculo de pouco mais de hora e meia põe em cena algumas das principais composições do cearense, nascido em Sobral em uma família de 23 irmãos. Aos poucos, a poesia vigorosa e envolvente de Belchior se impõe e o intérprete vai dando passagem ao artista homenageado.

Algo performático, por conta do ator que habita nele, Homem de Mello em nada lembra Belchior. Mas basta começar a contar algumas das histórias daquele “rapaz latino-americano sem dinheiro no banco” que se suavizam as diferenças e aproxima a aura do objeto da homenagem. Em uma delas revela-se em cena o momento em que Belchior encontra Elis Regina, que grava músicas dele e, a partir daí o sucesso o encontra.

A banda Radar, segura e afinada, sustenta uma musicalidade que remete imediatamente à memória afetiva de cada canção executada. Difícil não cantar junto, imaginando as palavras e a essência do sentimento daquele que confessou ter “um coração que só entende o que é cruel e o que é paixão”. Mas que disse também que “qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa”.

Belchior morreu em maio de 2017. Muita poesia ficou reunida em sua obra. Parte importante dela está no show, pontuado pela guitarra de Sérgio Zurawski, a bateria de Jaderson Cardoso, os teclados de Leandro Néri e a batuta do maestro/baixista João Mourão. Há momentos que são mais intensos e reveladores do tom da homenagem. São aqueles em que a poesia suplanta a performance e o espírito de Belchior parece surgir entre as notas precisas dos instrumentos e a voz acertada do intérprete. Flui a poesia e viaja a imaginação.

Aliás, em meio ao show, imagens no fundo do palco vão revelando momentos da vida do artista e de alguns de seus parceiros. Poderia haver ainda mais referências. Daria ainda mais riqueza na narrativa cênica. Mas são escolhas e recortes temporais, de uma vida intensa, que Belchior viveu lembrando sempre de suas origens, impressas em cada canção.

O resultado do espetáculo é uma bonita homenagem. Tributo merecido. Poesia revelada, para quem não bebeu a essência da criação de Belchior. Um revisitar à obra sólida e frágil, humana e transcendente, do artista retirante e do homem profundo. O simples e complexo Belchior. Aquele que sabia que “não se pode cantar como convém sem querer ferir ninguém“.

*Correiodopovo

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